O Morro da Providência é memória viva. Seus becos e vielas carregam camadas de história que resistem às tentativas de apagamento e à violência simbólica que marcaram, e ainda marcam, a relação entre a cidade e o morro. Na Galeria Providência, preservar essa memória é um ato político, não nostálgico.
Por isso, reafirmamos nosso compromisso de que as histórias da Providência, muitas vezes silenciadas pela memória oficial, tenham protagonismo, forma e presença nos debates sobre patrimônio, cidade e identidade. Reivindicamos o direito de contarmos nós mesmos o que vivemos, criando acervos, narrativas e dispositivos de circulação que conectam passado, presente e futuro.
Ao fazer da memória uma ferramenta de emancipação e busca por reparação, fortalecemos o pertencimento coletivo e reposicionamos o Morro da Providência como parte fundamental da história e do imaginário do Rio de Janeiro e do Brasil.
Contar a nossa história é uma das principais formas de afirmarmos nossa existência. Por muito tempo, o Morro da Providência, mesmo sendo a primeira favela do Brasil e vizinha do centro histórico do Rio de Janeiro, foi invisibilizado nos discursos oficiais, tratado como margem da cidade que ajudou a construir. Reivindicar o direito à narrativa é reivindicar o direito à memória, à presença e ao futuro.
Nesta linha de ação, promovemos iniciativas que valorizam histórias de vida, memórias afetivas e trajetórias coletivas, fortalecendo o sentimento de pertencimento e afirmando as múltiplas identidades que formam a Providência. Um exemplo dessa atuação é o Relíquias da Provi, projeto de registros de história oral com moradores do morro que guardam saberes e vivências fundamentais para a memória do território. Esses relatos são transformados em vídeos que integram tanto o acervo da Galeria Providência quanto as nossas redes sociais, criando uma dinâmica de salvaguarda e visibilidade das nossas histórias.
Parte essencial do nosso trabalho de memória é a constituição de um acervo que reúna, organize, preserve e compartilhe registros, objetos e documentos que contam a história do Morro da Providência e da própria Galeria Providência. Mais do que guardar, queremos cuidar de nossas memórias com intencionalidade política e afetiva, reconhecendo a importância de arquivar o que nos constitui e a forma como queremos ser representados, desde documentos históricos até registros do cotidiano, passando por imagens, sons, objetos e oralidades.
Atuamos, portanto, na criação e expansão de um acervo comunitário digital, que já reúne mais de 300 itens catalogados. Essa base funciona simultaneamente como arquivo e mecanismo de afirmação, e tem se articulado com projetos de pesquisa, exposições, trabalhos acadêmicos e ações educativas.
A memória coletiva é um campo de disputa. Em territórios como a Providência, onde a história oficial costuma silenciar nossas trajetórias, pesquisar significa escavar sentidos, desafiar apagamentos e produzir presença. Nosso objetivo não é apenas preservar, queremos também criar maneiras de tornar essas memórias visíveis, acessíveis e politicamente mobilizadoras.
Nesta linha de ação, entendemos a pesquisa e a produção de conhecimento como práticas de enfrentamento e criação, capazes de disputar narrativas e gerar novos sentidos sobre o território a partir de quem o vive. Por isso, investimos em uma prática contínua de investigação, que articula a escuta em campo com a consulta a acervos oficiais. Todo o material levantado, dessa forma, se desdobra em conteúdos e linguagens diversas, porque, para nós, pesquisar é também imaginar formas de garantir que nossas histórias nunca mais deixem de ser contadas.